Ensinar a pensar
O que a educação de elite não quer dividir?
Por João Ricardo Nogueira
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St. Paul’s School — Foto: Divulgação |
Pouca gente para pra pensar nisso, mas há algo curioso no modelo educacional das instituições mais caras e exclusivas do Brasil.
Nessas escolas, o ensino vai muito além de decorar fórmulas, datas e regras gramaticais. Muito além do inglês fluente e dos laboratórios modernos, há algo mais sutil — e poderoso — acontecendo.
O foco está em algo que a maioria das escolas públicas e
privadas tradicionais não oferece. E não estamos falando apenas de
estrutura física moderna ou tecnologia de ponta.
A verdadeira riqueza dessas instituições está no modelo
pedagógico, no desenvolvimento do pensamento crítico. Nessas escolas, os alunos
são ensinados a pensar, argumentar, questionar, resolver problemas reais.
O que se busca é algo mais profundo: a compreensão real do conhecimento
e o desenvolvimento da autonomia intelectual.
Há alguns anos, tive a oportunidade de conhecer uma escola
internato de elite. Os alunos moravam lá e estudavam em tempo integral. O
campus parecia um cenário de filme: jardins impecáveis, salas modernas e
arborização exuberante.
Um detalhe me chamou a atenção — a maioria das salas de aula
não seguia o modelo tradicional. As cadeiras estavam dispostas em círculos,
criando um ambiente de diálogo e troca, e o foco: ensinar a pensar, não
decorar.
Fiquei impressionado ao perceber que a estrutura pedagógica
era tão refinada quanto o próprio campus.
Os alunos eram desafiados a pensar, explicar, reinterpretar e
até questionar o que aprendiam, ou seja, a compreender profundamente e reanalisar
constantemente o conhecimento que estavam aprendendo. Era uma pedagogia
viva, ativa, onde o conhecimento fazia sentido no mundo real.
Ali estudavam filhos de banqueiros, de empresários
multimilionários. E talvez fosse exatamente por isso que as mensalidades eram
mais altas que o ganho anual de um trabalhador comum.* A verdadeira “joia”
daquela escola não era a tecnologia ou o luxo, mas o ensino crítico e
reflexivo.
Essas escolas praticam o que muitos educadores chamam de pedagogia
ativa, investigativa ou crítica. O aluno deixa de ser um receptor passivo
de informações e passa a ser protagonista da sua própria aprendizagem.
Em vez de repetir o que o livro diz, ele aprende a interpretar,
conectar ideias, fazer perguntas e tirar conclusões. Tudo isso em um
ambiente que estimula a criatividade, o diálogo e a colaboração.
Soa como inovação? Pois é exatamente o oposto do modelo
tradicional, onde a aula é centrada no professor, a prova é uma maratona de
memória e o erro é um fracasso, não uma oportunidade.
Mas o que mais me impressionou foi perceber que aquele
método… tinha nome.
Agora vem a parte curiosa — e, talvez, para alguns, incômoda:
O método que a elite critica — mas usa.
Sim, aquele modelo pedagógico centrado no diálogo, na
construção conjunta do conhecimento e no estímulo ao pensamento crítico tem
nome e sobrenome: Paulo Freire.
Sim, o mesmo Paulo Freire que muitos setores das elites
brasileiras criticam duramente, acusando de ideologizar o ensino público, é o
pensador cuja metodologia — adaptada — forma a base da educação das elites.
Essa pedagogia moderna, valorizada pelas melhores escolas do país.
A diferença? Nessas escolas, o aspecto político da pedagogia freiriana é
cirurgicamente removido.
O que resta é uma versão “gourmet” de Freire: sem a luta dos
oprimidos, sem a conscientização social, sem a crítica à desigualdade.
Mas tudo o que ele defende como essência pedagógica está lá:
• o diálogo como método,
• o conhecimento construído com base na realidade do aluno,
• o professor como mediador,
• o aprendizado pela problematização e pela experiência
concreta.
É curioso — e revelador — que justamente quem acusa Freire de
“doutrinar” o ensino público escolha, para seus próprios filhos, uma pedagogia
que ele mesmo teorizou com maestria.
A elite brasileira, talvez sem perceber (ou percebendo muito
bem), não rejeita Paulo Freire. Rejeita apenas sua proposta de emancipação
social.
A pedagogia freiriana funciona, é valorizada, dá resultados —
mas apenas quando não ameaça a estrutura de poder vigente.
Talvez esteja na hora de repensar essa contradição. Não seria
mais honesto reconhecer que o problema nunca foi o método, mas quem ele
poderia libertar?
Afinal, aplica-se Freire para os milionários, decoreba
para os pobres…