domingo, 13 de abril de 2025

Ensinar a pensar
O que a educação de elite não quer dividir?
                                                                        
Por João Ricardo Nogueira 

St. Paul’s School
St. Paul’s School — Foto: Divulgação
Você sabe o que realmente se ensina nas escolas da elite?

Pouca gente para pra pensar nisso, mas há algo curioso no modelo educacional das instituições mais caras e exclusivas do Brasil.

Nessas escolas, o ensino vai muito além de decorar fórmulas, datas e regras gramaticais. Muito além do inglês fluente e dos laboratórios modernos, há algo mais sutil — e poderoso — acontecendo.

O foco está em algo que a maioria das escolas públicas e privadas tradicionais não oferece. E não estamos falando apenas de estrutura física moderna ou tecnologia de ponta.

A verdadeira riqueza dessas instituições está no modelo pedagógico, no desenvolvimento do pensamento crítico. Nessas escolas, os alunos são ensinados a pensar, argumentar, questionar, resolver problemas reais. O que se busca é algo mais profundo: a compreensão real do conhecimento e o desenvolvimento da autonomia intelectual.

Há alguns anos, tive a oportunidade de conhecer uma escola internato de elite. Os alunos moravam lá e estudavam em tempo integral. O campus parecia um cenário de filme: jardins impecáveis, salas modernas e arborização exuberante.

Um detalhe me chamou a atenção — a maioria das salas de aula não seguia o modelo tradicional. As cadeiras estavam dispostas em círculos, criando um ambiente de diálogo e troca, e o foco: ensinar a pensar, não decorar.

Fiquei impressionado ao perceber que a estrutura pedagógica era tão refinada quanto o próprio campus.

Os alunos eram desafiados a pensar, explicar, reinterpretar e até questionar o que aprendiam, ou seja, a compreender profundamente e reanalisar constantemente o conhecimento que estavam aprendendo. Era uma pedagogia viva, ativa, onde o conhecimento fazia sentido no mundo real.

Ali estudavam filhos de banqueiros, de empresários multimilionários. E talvez fosse exatamente por isso que as mensalidades eram mais altas que o ganho anual de um trabalhador comum.* A verdadeira “joia” daquela escola não era a tecnologia ou o luxo, mas o ensino crítico e reflexivo.

Essas escolas praticam o que muitos educadores chamam de pedagogia ativa, investigativa ou crítica. O aluno deixa de ser um receptor passivo de informações e passa a ser protagonista da sua própria aprendizagem.

Em vez de repetir o que o livro diz, ele aprende a interpretar, conectar ideias, fazer perguntas e tirar conclusões. Tudo isso em um ambiente que estimula a criatividade, o diálogo e a colaboração.

Soa como inovação? Pois é exatamente o oposto do modelo tradicional, onde a aula é centrada no professor, a prova é uma maratona de memória e o erro é um fracasso, não uma oportunidade.

Mas o que mais me impressionou foi perceber que aquele método… tinha nome.

Agora vem a parte curiosa — e, talvez, para alguns, incômoda:

O método que a elite critica — mas usa.

Sim, aquele modelo pedagógico centrado no diálogo, na construção conjunta do conhecimento e no estímulo ao pensamento crítico tem nome e sobrenome: Paulo Freire.

Sim, o mesmo Paulo Freire que muitos setores das elites brasileiras criticam duramente, acusando de ideologizar o ensino público, é o pensador cuja metodologia — adaptada — forma a base da educação das elites. Essa pedagogia moderna, valorizada pelas melhores escolas do país.

A diferença? Nessas escolas, o aspecto político da pedagogia freiriana é cirurgicamente removido.

O que resta é uma versão “gourmet” de Freire: sem a luta dos oprimidos, sem a conscientização social, sem a crítica à desigualdade.

Mas tudo o que ele defende como essência pedagógica está lá:

    • o diálogo como método,

    • o conhecimento construído com base na realidade do aluno,

    • o professor como mediador,

    • o aprendizado pela problematização e pela experiência concreta.

É curioso — e revelador — que justamente quem acusa Freire de “doutrinar” o ensino público escolha, para seus próprios filhos, uma pedagogia que ele mesmo teorizou com maestria.

A elite brasileira, talvez sem perceber (ou percebendo muito bem), não rejeita Paulo Freire. Rejeita apenas sua proposta de emancipação social.

A pedagogia freiriana funciona, é valorizada, dá resultados — mas apenas quando não ameaça a estrutura de poder vigente.

Talvez esteja na hora de repensar essa contradição. Não seria mais honesto reconhecer que o problema nunca foi o método, mas quem ele poderia libertar?

Afinal, aplica-se Freire para os milionários, decoreba para os pobres…


*Para que não confundam com escolas privadas comuns, existem escolas no Brasil em que apenas a matrícula chega a R$ 60 mil, e cujas mensalidades ultrapassam os 10 salários mínimos.