Por que Jesus não dava o
Dízimo?
Uma
análise bíblica sobre o equívoco da Teologia da Prosperidade
Por João Ricardo Nogueira
Um
título provocativo, mas uma pergunta necessária…
Você já parou para pensar que Jesus, nosso
maior exemplo de vida, não dava o dízimo? Isso soa estranho? Talvez até
desconfortável? Pois é exatamente sobre isso que precisamos refletir.
Afinal, se muitos líderes religiosos hoje usam
o dízimo como argumento para prometer bênçãos financeiras — e, não raramente,
para enriquecer às custas da fé alheia —, precisamos fazer uma pergunta honesta
e urgente:
Se o
dízimo é um mandamento absoluto, universal e eterno, por que o próprio Jesus,
que era judeu praticante, não o dava?
Este artigo não é um convite à rebeldia nem um
discurso contra sustentar a obra de Deus. Ao contrário, acredito profundamente
que todo cristão comprometido tem o dever moral e espiritual de ofertar,
contribuir e sustentar sua comunidade de fé.
Porém, este é sim um convite à reflexão — e,
por que não, à desconstrução — de discursos manipulativos, distorcidos e que
servem mais aos interesses de líderes gananciosos do que ao Reino de Deus.
O que era o dízimo, de fato, na Bíblia?
Vamos
começar pelo básico: o dízimo bíblico não era dinheiro.
O dízimo, na Lei de Moisés, era a décima parte
da produção agrícola e dos rebanhos.
Grãos,
azeite, vinho, frutas, animais — isso era dizimado.
Levítico 27:30 — “Todos os dízimos da terra,
tanto dos cereais do campo como dos frutos das árvores, pertencem ao Senhor;
são consagrados ao Senhor.”
Dinheiro não era dizimado, simplesmente porque
a economia daquela época era majoritariamente rural e agrária.
Além disso, o dízimo tinha um destino claro:
- Sustento dos levitas e sacerdotes, que não
tinham terras (Números 18:21-24).
- Manutenção do Templo.
- Assistência aos pobres, órfãos, viúvas e estrangeiros (Deuteronômio 14:28-29).
E
Jesus, dava o dízimo?
Aqui vem a pergunta central:
Se
Jesus era carpinteiro e o dízimo era exclusivamente sobre produtos da terra,
Jesus dava dízimo?
Resposta
honesta e bíblica: Não, Jesus não dava dízimo, porque a Lei não exigia isso de
quem não produzia da terra.
Isso significa que Jesus negligenciava sua
responsabilidade espiritual?
De forma alguma.
Ele cumpria outras contribuições, como o
imposto do templo (Mateus 17:24-27) e participava das ofertas e festas
judaicas, mas não dava dízimo porque não se aplicava à sua profissão.
E os
judeus hoje? Ainda praticam o dízimo?
Outra pergunta desconfortável, mas necessária:
Se o
dízimo é uma lei eterna, por que nem os judeus praticam hoje?
A
resposta dos rabinos é direta: Sem Templo e sem levitas, o dízimo está
suspenso.
Toda a estrutura do dízimo estava diretamente
ligada ao funcionamento do Templo de Jerusalém, destruído no ano 70 d.C.
O que se mantém até hoje no judaísmo é o
princípio da “tzedaká”, que significa caridade, justiça social,
generosidade.
Ou seja, a responsabilidade de ajudar os
pobres, sustentar a comunidade e financiar instituições de ensino, mas não
existe mais a obrigação formal do dízimo.
Se o
dízimo é obrigatório, então as 613 leis também seriam...
Vamos ao raciocínio lógico:
Se
líderes da Teologia da Prosperidade dizem que o dízimo é obrigatório porque
está na Lei,
então, por coerência, deveriam também guardar:
- O sábado,
- As festas judaicas,
- As leis alimentares,
- As regras sobre roupas, alimentos,
sacrifícios,
...e todas as 613 leis da Torá.
Tiago
2:10 — “Pois quem obedece a toda a Lei, mas tropeça em um só ponto, torna-se
culpado de quebrá-la toda.”
Não
há espaço para escolher apenas o dízimo e descartar o restante.
A
Teologia da Prosperidade — Um instrumento do inimigo?
Aqui está uma reflexão ainda mais séria e
profunda:
A
Teologia da Prosperidade não é apenas um erro teológico; é, na prática, um
instrumento que serve aos interesses do inimigo de Deus.
Por quê?
Porque
ela afasta as pessoas do verdadeiro evangelho, substituindo o chamado ao
arrependimento, à conversão e ao discipulado por uma simples barganha
financeira com Deus.
Transforma a igreja de Cristo em um clube
social de interesseiros, onde:
- Não se busca o Reino de Deus,
- Não se busca transformação de vida,
- Não há compromisso com os valores do Reino,
como amor, justiça, compaixão e serviço.
E quando se fala sobre:
-
Pobres, órfãos, viúvas, justiça social, igualdade,
rapidamente vem o discurso:
- “Isso é coisa de esquerdista.”
- “Defender justiça social é coisa de
comunista.”
Mas,
ironicamente, era exatamente isso que Jesus fazia e pregava.
O verdadeiro evangelho é sobre amar ao próximo,
repartir, servir, acolher, cuidar, perdoar, carregar as cargas uns dos outros.
Não
é sobre enriquecer aqui, mas sobre acumular tesouros no céu.
O alerta mais sério de Jesus:
E a estes, que transformaram o evangelho em um
mercado de bênçãos, Jesus fará um duro pronunciamento no dia do juízo:
Mateus
7:23 — “Então lhes direi claramente: ‘Nunca os conheci. Afastem-se de mim vocês
que praticam o mal!’”
E mais:
Mateus
25:41-45 — “Porque tive fome, e vocês não me deram de comer; tive sede, e não
me deram de beber; fui estrangeiro, e não me acolheram; necessitei de roupas, e
não me vestiram; estive enfermo e na prisão, e não me visitaram.”
E eles perguntarão: “Senhor, quando te vimos
assim?”
E
Jesus responderá: “Sempre que vocês deixaram de fazer a um destes pequeninos,
foi a mim que deixaram de fazer.”
Este
é o choque brutal entre o evangelho verdadeiro e a falsa doutrina da
prosperidade.
O
que Jesus ensinou, então, sobre dinheiro, riqueza e contribuição?
-
Nunca prometeu riquezas. Pelo contrário:
Mateus
6:24 — “Ninguém pode servir a dois senhores... Não podeis servir a Deus e ao
dinheiro.”
- Chamou o jovem rico a abrir mão de suas
riquezas (Mateus 19:21).
- Advertiu sobre os perigos de acumular
tesouros na terra (Mateus 6:19-21).
- Elogiou a viúva pobre, que deu pouco, mas com
sinceridade (Marcos 12:41-44), e não aqueles que davam muito buscando
reconhecimento.
O ensino do Novo Testamento é claro:
2
Coríntios 9:7 — “Cada um contribua segundo propôs em seu coração; não com
tristeza, nem por obrigação; porque Deus ama a quem dá com alegria.”
Contribuir,
sim. Por obrigação legalista, não. Por amor e responsabilidade, sempre.
Conclusão
— Contribuir, sim. Ser enganado, não.
Se
até mesmo Jesus, sendo judeu, não dava dízimo porque não se aplicava à sua
profissão, como podemos aceitar que hoje, sob a Nova Aliança, líderes imponham
esse mandamento isolado, arrancado de um sistema que nem mesmo o judaísmo
moderno aplica mais?
Não.
A igreja não é um mercado de bênçãos. O Reino de Deus não é uma loteria
espiritual.
Sim, devemos contribuir. Sim, temos
responsabilidade com nossa comunidade de fé.
Mas
isso deve ser feito por amor, por gratidão, por compromisso com a missão — e
não pela falsa promessa de enriquecimento.
O
maior tesouro que podemos acumular não está nos bancos da terra, mas no Reino
dos Céus.
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