quinta-feira, 19 de junho de 2025

 

Por que Jesus não dava o Dízimo?
Uma análise bíblica sobre o equívoco da Teologia da Prosperidade

Por João Ricardo Nogueira


Um título provocativo, mas uma pergunta necessária…

Você já parou para pensar que Jesus, nosso maior exemplo de vida, não dava o dízimo? Isso soa estranho? Talvez até desconfortável? Pois é exatamente sobre isso que precisamos refletir.

Afinal, se muitos líderes religiosos hoje usam o dízimo como argumento para prometer bênçãos financeiras — e, não raramente, para enriquecer às custas da fé alheia —, precisamos fazer uma pergunta honesta e urgente:

Se o dízimo é um mandamento absoluto, universal e eterno, por que o próprio Jesus, que era judeu praticante, não o dava?

Este artigo não é um convite à rebeldia nem um discurso contra sustentar a obra de Deus. Ao contrário, acredito profundamente que todo cristão comprometido tem o dever moral e espiritual de ofertar, contribuir e sustentar sua comunidade de fé.

Porém, este é sim um convite à reflexão — e, por que não, à desconstrução — de discursos manipulativos, distorcidos e que servem mais aos interesses de líderes gananciosos do que ao Reino de Deus.

O que era o dízimo, de fato, na Bíblia?

Vamos começar pelo básico: o dízimo bíblico não era dinheiro.

O dízimo, na Lei de Moisés, era a décima parte da produção agrícola e dos rebanhos.

Grãos, azeite, vinho, frutas, animais — isso era dizimado.

Levítico 27:30 — “Todos os dízimos da terra, tanto dos cereais do campo como dos frutos das árvores, pertencem ao Senhor; são consagrados ao Senhor.”

Dinheiro não era dizimado, simplesmente porque a economia daquela época era majoritariamente rural e agrária.

Além disso, o dízimo tinha um destino claro:

- Sustento dos levitas e sacerdotes, que não tinham terras (Números 18:21-24).

- Manutenção do Templo.

- Assistência aos pobres, órfãos, viúvas e estrangeiros (Deuteronômio 14:28-29).


E Jesus, dava o dízimo?

Aqui vem a pergunta central:

Se Jesus era carpinteiro e o dízimo era exclusivamente sobre produtos da terra, Jesus dava dízimo?

Resposta honesta e bíblica: Não, Jesus não dava dízimo, porque a Lei não exigia isso de quem não produzia da terra.

Isso significa que Jesus negligenciava sua responsabilidade espiritual?

De forma alguma.

Ele cumpria outras contribuições, como o imposto do templo (Mateus 17:24-27) e participava das ofertas e festas judaicas, mas não dava dízimo porque não se aplicava à sua profissão.

 

E os judeus hoje? Ainda praticam o dízimo?

Outra pergunta desconfortável, mas necessária:

Se o dízimo é uma lei eterna, por que nem os judeus praticam hoje?

A resposta dos rabinos é direta: Sem Templo e sem levitas, o dízimo está suspenso.

Toda a estrutura do dízimo estava diretamente ligada ao funcionamento do Templo de Jerusalém, destruído no ano 70 d.C.

O que se mantém até hoje no judaísmo é o princípio da “tzedaká”, que significa caridade, justiça social, generosidade.

Ou seja, a responsabilidade de ajudar os pobres, sustentar a comunidade e financiar instituições de ensino, mas não existe mais a obrigação formal do dízimo.

 

Se o dízimo é obrigatório, então as 613 leis também seriam...

Vamos ao raciocínio lógico:

Se líderes da Teologia da Prosperidade dizem que o dízimo é obrigatório porque está na Lei,

então, por coerência, deveriam também guardar:

- O sábado,

- As festas judaicas,

- As leis alimentares,

- As regras sobre roupas, alimentos, sacrifícios,

...e todas as 613 leis da Torá.

Tiago 2:10 — “Pois quem obedece a toda a Lei, mas tropeça em um só ponto, torna-se culpado de quebrá-la toda.”

Não há espaço para escolher apenas o dízimo e descartar o restante.

 

A Teologia da Prosperidade — Um instrumento do inimigo?

Aqui está uma reflexão ainda mais séria e profunda:

A Teologia da Prosperidade não é apenas um erro teológico; é, na prática, um instrumento que serve aos interesses do inimigo de Deus.

Por quê?

Porque ela afasta as pessoas do verdadeiro evangelho, substituindo o chamado ao arrependimento, à conversão e ao discipulado por uma simples barganha financeira com Deus.

Transforma a igreja de Cristo em um clube social de interesseiros, onde:

- Não se busca o Reino de Deus,

- Não se busca transformação de vida,

- Não há compromisso com os valores do Reino, como amor, justiça, compaixão e serviço.

E quando se fala sobre:

- Pobres, órfãos, viúvas, justiça social, igualdade,

rapidamente vem o discurso:

- “Isso é coisa de esquerdista.”

- “Defender justiça social é coisa de comunista.”

Mas, ironicamente, era exatamente isso que Jesus fazia e pregava.

O verdadeiro evangelho é sobre amar ao próximo, repartir, servir, acolher, cuidar, perdoar, carregar as cargas uns dos outros.

Não é sobre enriquecer aqui, mas sobre acumular tesouros no céu.


O alerta mais sério de Jesus:

E a estes, que transformaram o evangelho em um mercado de bênçãos, Jesus fará um duro pronunciamento no dia do juízo:

Mateus 7:23 — “Então lhes direi claramente: ‘Nunca os conheci. Afastem-se de mim vocês que praticam o mal!’”

E mais:

Mateus 25:41-45 — “Porque tive fome, e vocês não me deram de comer; tive sede, e não me deram de beber; fui estrangeiro, e não me acolheram; necessitei de roupas, e não me vestiram; estive enfermo e na prisão, e não me visitaram.”

E eles perguntarão: “Senhor, quando te vimos assim?”

E Jesus responderá: “Sempre que vocês deixaram de fazer a um destes pequeninos, foi a mim que deixaram de fazer.”

Este é o choque brutal entre o evangelho verdadeiro e a falsa doutrina da prosperidade.

 

O que Jesus ensinou, então, sobre dinheiro, riqueza e contribuição?

- Nunca prometeu riquezas. Pelo contrário:

Mateus 6:24 — “Ninguém pode servir a dois senhores... Não podeis servir a Deus e ao dinheiro.”

- Chamou o jovem rico a abrir mão de suas riquezas (Mateus 19:21).

- Advertiu sobre os perigos de acumular tesouros na terra (Mateus 6:19-21).

- Elogiou a viúva pobre, que deu pouco, mas com sinceridade (Marcos 12:41-44), e não aqueles que davam muito buscando reconhecimento.

O ensino do Novo Testamento é claro:

2 Coríntios 9:7 — “Cada um contribua segundo propôs em seu coração; não com tristeza, nem por obrigação; porque Deus ama a quem dá com alegria.”

Contribuir, sim. Por obrigação legalista, não. Por amor e responsabilidade, sempre.

 

Conclusão — Contribuir, sim. Ser enganado, não.

Se até mesmo Jesus, sendo judeu, não dava dízimo porque não se aplicava à sua profissão, como podemos aceitar que hoje, sob a Nova Aliança, líderes imponham esse mandamento isolado, arrancado de um sistema que nem mesmo o judaísmo moderno aplica mais?

Não. A igreja não é um mercado de bênçãos. O Reino de Deus não é uma loteria espiritual.

Sim, devemos contribuir. Sim, temos responsabilidade com nossa comunidade de fé.

Mas isso deve ser feito por amor, por gratidão, por compromisso com a missão — e não pela falsa promessa de enriquecimento.

O maior tesouro que podemos acumular não está nos bancos da terra, mas no Reino dos Céus.

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